UNILA concede título de Doutor Honoris Causa ao jornalista Aluízio Palmar

Cinquenta e sete anos depois de ter sua trajetória acadêmica abruptamente interrompida pela violência da ditadura militar brasileira, o jornalista Aluízio Ferreira Palmar recebe o título de Doutor Honoris Causa, outorgado pela UNILA. A entrega do diploma foi realizada na última sexta-feira (26), durante sessão solene do Conselho Universitário (CONSUN).
A reparação histórica ao jornalista, escritor e militante dos direitos humanos, ainda que tardia, ocorre também num momento oportuno para o país – um momento no qual a democracia brasileira vem novamente sendo ameaçada por grupos políticos que flertam com o retorno do autoritarismo. Estas e outras nuances deram a tônica do evento, que contou com auditório cheio, homenagens e muita emoção.
A reitora Diana Araujo Pereira presidiu a sessão, e abriu sua fala destacando o desejo de que “a comunidade da América Latina e do Caribe sintam que a UNILA é a sua casa, que entrem e que participem das nossas ações, e que interajam conosco aqui no nosso fazer, no nosso processo acadêmico, que também é político e social”.
A solenidade já iniciou com ares de luta, com cartazes exibidos por estudantes e representantes de movimentos sociais, reivindicando pautas como o não à anistia aos responsáveis pelos atos antidemocráticos do dia 8 de janeiro de 2023, o fim da escala 6×1 para os trabalhadores, entre outros. O momento foi ainda mais emblemático ao som de Como Nossos Pais, canção eternizada pela voz de Elis Regina.
A plateia, emocionada, entoou o grito “Aluízio amigo, a UNILA está contigo”, reforçando os laços entre o homenageado e a Universidade, e o aplaudiu de pé, por diversas vezes, em momentos em que sua trajetória foi destacada pelos participantes da solenidade.
Trajetória de luta e resistência
Aluízio Ferreira Palmar teve sua trajetória acadêmica interrompida pela ditadura militar há 57 anos. Então estudante de Ciências Sociais na Universidade Federal Fluminense (UFF), participava do Programa Nacional de Alfabetização de Adultos, na Baixada Fluminense. O Programa adotava a pedagogia de Paulo Freire, que buscava ampliar o acesso ao conhecimento e fortalecer a cidadania. Nesse período, engajou-se na luta pela democracia e pela justiça social, em um contexto em que o país vivia sob um regime autoritário, que perseguia, prendia e eliminava opositores.
Por sua militância em defesa da liberdade, Palmar foi preso em 1969, submetido à tortura e, posteriormente, banido do Brasil, sendo incluído no grupo de 69 presos políticos trocados pelo embaixador da Suíça, Giovanni Bucher. Durante o período de exílio, viveu no Chile e na Argentina, onde continuou sua atuação política e social, mantendo-se engajado em projetos de resistência e em redes de apoio a brasileiros perseguidos pelo regime militar.
Após a promulgação da Lei da Anistia, retornou ao Brasil e se estabeleceu em Foz do Iguaçu, tornando-se uma das vozes mais firmes contra a repressão. Na cidade, foi fundador e editor do jornal Nosso Tempo, um dos principais periódicos de oposição à ditadura no Paraná, que denunciava o regime dos interventores locais impostos sem voto popular.
Comprometido em preservar a memória histórica, Palmar mantém o portal Documentos Revelados, um dos maiores acervos digitais sobre a ditadura militar, com mais de 80 mil registros, documentos, fotografias e análises disponíveis gratuitamente para pesquisa acadêmica e jornalística.
É autor do livro “Onde Foi Que Vocês Enterraram Nossos Mortos?”, que resgata a história da chacina ocorrida no Parque Nacional do Iguaçu, episódio transformado em denúncia acolhida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA em 2025. Também organizou a coletânea “Vozes da Resistência: Memórias da Luta contra a Ditadura Militar no Paraná”, que reúne relatos de 60 ativistas perseguidos pelo regime.
Sua trajetória foi recentemente registrada no livro “O Garimpeiro da Memória: Aluízio Palmar e a Sombra da Ditadura”, de Jacob Blanc. Palmar recebeu, em 2021, a Medalha Chico Mendes, concedida a pessoas e instituições que se destacam na defesa da vida e da liberdade, e é cidadão honorário de Foz do Iguaçu, título que reconhece sua dedicação à comunidade e à memória democrática. Também foi homenageado pelo Sindicato dos Jornalistas do Paraná.
Homenagens
Durante a solenidade, Palmar recebeu diversas homenagens de antigos amigos e companheiros de luta. Algumas delas, enviadas por vídeo. Outras, prestadas presencialmente. Uma das falas foi da professora Carla Luciana da Silva, do Núcleo de Pesquisa e Documentação do Estado do Paraná, da Unioeste. Ela relata que “ele foi pros arquivos da Polícia Federal aqui em Foz do Iguaçu quando eles não eram abertos, num porão, pesquisar sobre os nossos mortos e desaparecidos, trabalho essencial para a memória e justiça”.
O conselheiro discente Henrique Leal Buriti Antunes, que protocolou o processo no CONSUN, destacou que a ideia de homenagear Aluízio Palmar nasceu do colegiado do grupo de pesquisa Memória, Resistência e Verdade. “O Aluízio é uma semente que germina ainda hoje nos nossos corações, nos nossos coletivos, na defesa dos direitos humanos, na atuação do movimento popular, do movimento estudantil”, destacou.
Outra fala contundente foi da representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), Dirce Brites. Ela relembrou, emocionada, a luta de Aluízio Palmar ao lado dos camponeses, em diversas ocasiões. “Aluízio é para nós a revolução, a luta e a resistência ativa. Aluízio é um legado vivo. Quero parabenizá-lo e agradecer por toda a sua trajetória”, declarou.
A estudante Tarsila de Brito Soares, do grupo Memória, Resistência e Verdade, também deu seu depoimento, afirmando que “este momento aqui é mais do que reconhecer a sua trajetória pessoal, é afirmar a importância da memória, da justiça e da dignidade humana. Aluízio é uma chama que está iluminando as gerações e as pessoas que estão aqui. A gente celebra a sua história e seu compromisso com a democracia”.
Entre os diversos depoimentos que se seguiram, estiveram também representantes da Seção Sindical da Andes-SN na UNILA (SESUNILA); da Secretaria de Direitos Humanos da Província de Misiones (Argentina); do Sindicato dos Servidores Públicos Federais em Saúde, Trabalho, Previdência e Ação Social do Estado do Paraná (Sindprevs-PR); e da egressa da UNILA e vereadora de Foz do Iguaçu, Valentina Rocha.
A reitora Diana Araujo Pereira reforçou que “este doutorado Honoris Causa busca reconhecer o seu papel histórico e político e toda a sua contribuição para democracia e direitos humanos e vem reparar a história partida”.
Em sua fala, Aluízio Palmar destacou estar extremamente feliz pelo reconhecimento. “Nunca pensei que um dia eu receberia uma honraria de tamanha importância”, afirmou. Ele lembrou, ainda, que sua caminhada junto à UNILA vem de muito tempo. “Eu ainda sonho com um centro de referência de luta pela democracia na América Latina, instalado aqui na UNILA”, destacou. Ele também já foi conselheiro do CONSUN, atuando como membro representante da comunidade externa junto à Universidade.
Palmar agradeceu a todos os seus companheiros de luta e também fez menção à sua família, com um agradecimento especial à esposa, Eunice de Almeida, apoio fundamental para que ele pudesse pavimentar sua trajetória.
Para Palmar, o momento também é muito simbólico. “Hoje estou aqui num momento crucial de reconstrução da nossa democracia. E estou aqui recebendo essa homenagem a título de reparação, 57 anos após ter minha carreira rompida pela força bruta da ditadura militar. Dedico esse título a todos os meus companheiros e companheiras que foram à luta em defesa da democracia. Golpes contra a democracia nunca mais. Impunidade nunca mais. Ditadura nunca mais”.
Sob forte aplauso da plateia, ele recebeu o diploma que não apenas simboliza e reconhece toda a sua luta, mas oficializa o seu saber e a sua competência acadêmica, além de marcar mais um importante ato em defesa da democracia brasileira e latino-americana.